19 de abril: indígenas do Guaraguaçu relatam dificuldades para sobreviverem isolados


Por Luiza Rampelotti Publicado 19/04/2022 às 14h26 Atualizado 17/02/2024 às 06h40

A história do Brasil é geralmente apresentada sob a ótica da colonização europeia, com o suposto “descobrimento” que fez com que os costumes do colonizador fossem sobrepostos à cultura, já existente nesta terra, dos povos originários. Eles, que já habitavam o futuro território brasileiro tinham hábitos, crenças e tradições, porém, foram dizimados gradativamente, diminuindo uma população de cerca de 5 milhões para, aproximadamente, 500 mil vivendo em terras indígenas atualmente, segundo o Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As populações originárias tiveram que lidar, ao longo da história, com a diminuição drástica de seu território, e com leis integracionistas que visavam a imposição das práticas ocidentais. Somente com a Constituição Federal (CF) de 1988, que veio para romper com a ideia anterior de os integrar ao modo de vida eurocêntrico, estes povos passaram a ter direitos.

Conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena, a CF garantiu que eles deixassem de ser considerados um povo em vias de extinção, e passaram a ter assegurado o direito à diferença cultural, isto é, o direito de ser natural, com suas línguas, culturas e tradições.

Uma família indígena no Guaraguaçu


No entanto, apesar dos avanços conquistados pela Constituição, a situação dos povos originários no Brasil é extremamente preocupante. É o que garante Florinda Timóteo, liderança indígena da aldeia Karaguatá Poty (Sambaqui), de etnia Guarani M’Byà, no Guaraguaçu, em Pontal do Paraná. “Estamos abandonados aqui, passando dificuldade e sem apoio”, diz.

A aldeia Karaguatá Poty é uma das 7 existentes no Litoral. Para chegar até ela, é necessário percorrer 12 quilômetros pela Estrada Ecoturística, de chão batido, que pode ser percorrida de carro e é considerada uma das últimas áreas ao longo do litoral paranaense que apresenta ambientes com características primitivas ainda intactas.

Diferente das demais comunidades localizadas em Morretes, Antonina, Guaraqueçaba, Paranaguá e no balneário Shangri-lá, em Pontal do Paraná, que possuem de 10 a 20 famílias, a Karaguatá Poty conta com apenas uma, composta por 6 membros: Florinda, seu marido (o cacique Irineu), suas duas filhas Lúcia e Eliane, e seus dois netos (filhos de Lúcia); uma bebê menor de 1 ano e uma criança de 4 anos.

A gente mora aqui desde 1999. Viemos do Rio Grande do Sul, depois fomos para Guaraqueçaba, para a Ilha da Cotinga e, então, para o Guaraguaçu. Antes, moravam 17 famílias aqui, mas o lugar não é bom e todos foram embora. Só a gente ficou”, comenta Florinda.

Na aldeia, não há área boa para agricultura, nem água potável, além de muitos insetos. Foto: Diogo Monteiro/JB Litoral
Isolados, sem água potável e sem energia em dias de chuva


Além de estarem isolados do restante da comunidade, os indígenas convivem diariamente com pernilongos e demais insetos e, ainda, com os animais existentes na mata nativa, já que estão inseridos nela. Não há água potável, nem agricultura, pois dizem que a terra não é boa para o plantio.

A energia elétrica é fornecida por meio dos painéis fotovoltaicos, responsáveis por converter a luz do sol em energia, instalados pela Copel, em 2013, mas Florinda comenta que em períodos chuvosos eles não funcionam. Segundo a Copel, esta foi a única ação realizada pela companhia na aldeia, visto que não há outras formas de levar energia até o local por conta das proibições ambientais.

A família não tem acesso à educação, pois não existe uma escola na comunidade, nem transporte escolar. Um carro da Fundação Nacional da Saúde leva água, uma vez por semana, para eles terem água potável para beber e cozinhar. Florinda conta que, para lavar roupa e tomar banho, a família utiliza água do poço, que “está meio vermelha, mas dá para usar para não ficar sem lavar roupa”.

Aqui não é bom, mas a gente tem que ficar onde tem espaço. Passamos muita dificuldade, sem transporte, indo a pé até o ponto de ônibus na PR-412 para voltar à noite debaixo de chuva, andando mais de 12 km com as crianças”, relembra Florinda.

Somente a família Timóteo, composta por 6 pessoas, vive na aldeia Karaguatá Poty. Foto: Diogo Monteiro/JB Litoral

A situação melhorou no ano passado, quando o Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), por meio de ações de compensação devido aos impactos gerados por sua atividade na baía de Paranaguá, entregou um carro para a família. “Depois de tantos anos a TCP nos procurou e ajudou com um carro para a gente se locomover. Já é alguma coisa”, diz.

TCP diz que vai construir casas para as aldeias do Litoral


De acordo com o TCP, desde 2014, a empresa realiza ações com o objetivo de salvaguardar os bens culturais e a qualidade de vida das comunidades indígenas de seu entorno. Essas ações são contempladas em um documento chamado Plano Básico Ambiental de Componente Indígena (PBACI), que se origina como ação de responsabilidade socioambiental dentro dos processos de licenciamento do Terminal junto ao IBAMA e à Fundação Nacional do Índio (Funai), elaborado em conjunto com as aldeias contempladas.

A execução do PBACI compreende três comunidades indígenas do litoral paranaense, sendo elas: aldeia Pindoty (Cotinga), localizada em Paranaguá na Ilha da Cotinga; aldeia Karaguatá Poty (Sambaqui), localizada no Guaraguaçu, e a aldeia Guaviraty, no balneário Shangrilá, as duas últimas em Pontal do Paraná. Essas três comunidades são parte do povo Guarani Mbya, uma das centenas de etnias indígenas originárias do território que hoje se chama Brasil”, explica a empresa.

Além disso, o TCP também afirma que tem o compromisso de construir 30 casas distribuídas entre as três comunidades, e que a obra está confirmada para iniciar já no primeiro semestre de 2022.

Indígenas vendem artesanato para complementar a renda. Foto: Diogo Monteiro/JB Litoral
Sem visitas, sem renda


Quem dirige o carro é a filha Eliane, que leva a família ao centro da cidade, uma vez por semana, para fazer as compras necessárias. Eles se mantêm com a venda de artesanato e auxílio federal, de um salário-mínimo por família.

Antes a gente levava nosso artesanato para vender, as pessoas também vinham visitar e compravam. Mas não dava para tirar muita coisa. Agora, com a pandemia, piorou, porque não vem ninguém”, conta Florinda.

A pequena aldeia Karaguatá Poty é considerada protetora dos sambaquis (conchas e amontoado de resto de atividade humana de, pelo menos, 4 mil anos antes de Cristo), já que está situada bem próxima ao sítio arqueológico conhecido genericamente como “Sambaqui do Guaraguaçu”. O local é constituído por sambaquis germinados que, englobados, mediam na base 300 metros de comprimento e 50 metros de largura, com altura de cerca de 12 metros.

Antes da pandemia de coronavírus, o local era muito visitado por turistas, mas, com as restrições de circulação, passou a ficar cada vez mais isolado, prejudicando, também, o sustento da família. Perguntamos para Florinda a respeito da atuação da Funai na comunidade. Ela foi firme ao dizer que não queria nem ouvir falar da instituição.

Com a pandemia, as vendas de artesanato caíram bastante. Foto: Diogo Monteiro/JB Litoral
A Funai não ajuda em nada”, diz indígena


Não me fale da Funai, porque quando queremos falar com ela ou precisamos dela, ela não liga, não ajuda em nada. A gente quase não tem atendimento médico; para ir pro posto, para fazer exame ou para levar o bebê pra vacina, era quase impossível. Ainda bem que ganhamos o carro”, conta.

O JB Litoral enviou questionamentos a respeito da atuação da Funai para a Coordenação Técnica Local de Paranaguá, chefiada por Caroline Willrich. No entanto, o órgão se limitou a informar que “atua em articulação com os entes da esfera municipal, regional, estadual e federal para garantir a execução das políticas públicas de promoção aos direitos sociais dos indígenas no Paraná”.

Já a prefeitura de Pontal do Paraná informou que “o Município atende com rotina a comunidade indígena do Guaraguaçu, com os benefícios eventuais preconizados pela política de Assistência Social. Além disso, trabalha intermediando as relações com as demais organizações como Copel, Ministério Público, Funai e Funasa”.