Parnanguara por acaso, Waltel Branco viveu história curiosa com a cidade


Por Redação Publicado 29/07/2021 às 21h30 Atualizado 16/02/2024 às 08h44

Um dos músicos mais importantes do país – embora boa parte dos brasileiros desconheça isso – nasceu em Paranaguá. Mas foi por acaso ou destino. Waltel Branco veio ao mundo em 22 de novembro de 1929, de parto prematuro. Grávida de sete meses, Lia Alves Branco estava na cidade para visitar a sogra, Aida Alves Branco – viúva, ela havia se casado com o engenheiro Ernesto Helmuth Scholtz, que trabalhava no porto.

Durante o passeio, Lia teve complicações e uma parteira foi chamada para ajudar. O menino chegou a ser levado ao hospital, apenas para confirmar que estava tudo bem. Antes de voltar a Curitiba, onde moravam, ainda houve mais um episódio que marcaria profundamente a vida de Waltel. Germânico, o “vodrasto” não conseguiu pronunciar Walter, que era o nome escolhido pelos pais, e o registro no cartório ficou errado – o menino só descobriu que se chamava Waltel já adolescente, ao sair do seminário e ver sua documentação, mas abraçou o engano, por considerar sonoro e singular.

Todas essas informações foram reunidas pelo jornalista Felippe Aníbal, que acompanhou os últimos anos de vida do músico e está escrevendo um livro sobre ele, ainda sem data para ser lançado. Waltel só voltou a pisar no solo parnanguara quando já tinha mais de 70 anos. É que o pai, que era militar, foi transferido para o Rio de Janeiro e depois para Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, pouco depois do nascimento do menino. A partir daí, a vida o levou para outros lugares, longe do Litoral do Paraná. “Mas ele sempre teve uma relação muito singela com Paranaguá”, comenta o jornalista.


Contatos com outras referências

Foram muitas as oportunidades em que o compositor e maestro – autor de muitas trilhas de filmes e novelas, mas reverenciado no mundo da música por suas contribuições amplas a vários estilos – fez menção à cidade natal. Como aluno de Heitor Villa-Lobos, Waltel contou que tinha nascido em Paranaguá, e logo atraiu a atenção do professor, que era fascinado pelo fandango e por outras manifestações culturais daqui.

Muito tempo depois, participou de um festival grandioso em 1983, promovido pela prefeitura de Roma, que chamava “Bahia de todos os sambas”, com a presença de Caetano Veloso, Gal Costa, Dorival Caymmi e outros músicos. Na época, era o maestro de confiança do João Gilberto e foi convidado. Começaram a brincar com o Waltel, dizendo que ele não poderia estar ali, mas ele respondia que era “baiano da Baía de Paranaguá”.

A primeira vez que voltou às origens foi apenas no final dos anos 90, durante as gravações de um documentário chamado “Redescobrindo Waltel”, disponível no YouTube. A relação com a cidade ficou eternizada em uma obra que compôs. “Ele tinha o hábito de escrever músicas e dedicar a lugares ou a pessoas de quem ele gostava”, conta o jornalista. Há várias versões de “Paranaguá”, interpretada por diversos músicos, incluindo o próprio maestro, disponíveis na internet para a consulta e o deleite dos ouvintes.

A última homenagem

O biógrafo relata que depois que o músico voltou a morar em Curitiba, já bem idoso, sentia necessidade de estabelecer uma conexão real com Paranaguá. “Ele tinha um carinho com a cidade”, diz. O maestro chegou a elaborar um projeto para se dedicar ao fandango, mas a ideia não se concretizou. Mas, depois de tantas tentativas de aproximação, já no fim da vida ele conseguiu a vinculação que tanto buscava. Ele ficou muito feliz ao saber que o conservatório municipal teria o nome dele. “Ele ficou super emocionado. Só falava disso. Tenho pra mim que, pelo fato de ser Paranaguá, ele ficou muito mais lisonjeado, mais emotivo, por ser uma retomada de laços”, afirmou Aníbal.

A inauguração foi em 2016 e Waltel gostou da forma como foi tratado, como celebridade. “Ele dava muita importância a quem propunha alguma forma de evento que fizesse alguma releitura da obra dele ou que propusesse esse resgate da produção”, revelou o jornalista. O maestro chegou a se imaginar morando junto ao conservatório, passeando pelo jardim que tanto tinha gostado, aproveitando a beleza do lugar para compor mais músicas. Também estava nos planos ser uma espécie de professor emérito no espaço. Mas os projetos não avançaram.

Importância musical

Nem todos os moradores conhecem as proezas desse parnanguara tão ilustre. “É possível contar a história da música brasileira do século XX pra cá por meio do Waltel, porque ele esteve no bojo de todos os principais movimentos musicais e nos principais eventos, foi um dos principais compositores arranjadores de telenovela e filmes. Ele teve uma atuação muito ampla. Isso é diferente. Por exemplo, Tom Jobim lembra a Bossa Nova, Henry Mancini é referência em trilha de cinema, Paulinho da Viola é associado ao samba. Mas o Walter fez de tudo, então é muito difícil de se sintetizar. Ele foi um dos responsáveis por cunhar uma linguagem musical aplicada à novela e teve uma participação muito aguda nos primeiros discos do Tim Maia e do Alceu Valença. Era tão despido de preconceito que teve um trabalho muito importante na música brega, com Odair José”, resume Aníbal. Waltel Branco faleceu em novembro de 2018, pouco depois de completar 89 anos, e deixou seu nome marcado na história de Paranaguá.

Por Katia Brembatti